É difícil escapar aos clichés quando o assunto é barriga de grávida. Evitando frases emocionais, já se passaram 32 semanas e eu não escrevi nenhuma linha. Fugindo das palavras, me encantei como a relação nos nossos primeiros meses de vida não passa pelo verbo. Eu li que o neném na barriga escuta sons, nossa voz, os Los Hermanos tocando na sala, mas tenho certeza que são os sons das minhas entranhas que ele mais escuta. Já deitou de ouvido na barriga de alguém? Não me soa muito poético os sons do intestino grosso fazendo o seu trabalho.

Na primeira ultrasom, aos 3 meses, quando vi aquele bebê feito astronauta flutuando em câmera lenta na barriga, percebi que a poesia estava ali: no movimento. Naquela dança malemolente debaixo d´agua, nos movimentos sem fim que não precisam parar para respirar. Penso em Isadora Duncan pequena quando fugia pra dançar descalça perto do mar. Dançava a brisa, as vagas, o cheiro, as ondas a quebrar. E penso que a cada passo meu o bebê também passa, e gira, e dobra, e nesse pax de deux permanete vamos entrando em contato. Contato-improvisação. Imagino o bebê sambando quando subo escada e o bebê virando quando jogo as pernas pro ar.

Não imagino muito mais. Não quis saber nem se era menino ou menina. Quero me surpreender com o que vier. A ansiedade não me vem, continuo seguindo na gravidez do mesmo jeito que tenho seguido as escadas aqui da rua pra chegar em casa, degrau a degrau e cada vez mais devagar. Sábado passado, lá pelo degrau de número 200, cruzei com um bêbado feliz que gritou olhando pra minha barriga: este aí vai escalar o mundo!